A MISSA DE LUTERO
Monsenhor Lefebvre
1975
Esta noite, falarei da Missa de Lutero e da Missa do novo rito. Por que essa comparação entre a Nova Missa e a Missa de Lutero? Porque a história o diz; a história objetiva não é criação minha. (Sua Excia. mostra então um livro sobre Lutero, publicado em 1911, “Do Luteranismo Ao Protestantismo” de Léon Cristiani). Ele fala sobre a reforma litúrgica de Lutero. Trata-se de um livro escrito em um tempo, em que o autor nem conhecia nossa crise, nem o novo rito; portanto não foi escrito com segundas intenções.
Síntese dos
princípios fundamentais da Missa
Primeiramente desejo fazer uma síntese dos princípios fundamentais da Missa,
para trazer à nossa memória a beleza, a profunda grandeza espiritual de nossa
Missa, o lugar que nossa Missa ocupa na Santa Igreja. Que coisa mais bela Nosso
Senhor legou à humanidade, que coisa mais preciosa, mais santa concedeu à Sua
Santa Igreja, à Igreja sua Esposa, no Calvário, quando morria na Cruz? Foi o
Sacrifício de si mesmo.
O
Sacrifício de si mesmo. Sua própria Pessoa, que continua seu Sacrifício. Ele o
deu à Igreja, quando morreu na Cruz. A partir desse momento, esse Sacrifício
estava destinado a continuar, a perseverar através dos séculos, como Ele o
havia instituído, juntamente com o Sacerdócio.
Quando
na Santa Ceia, Jesus instituiu o Sacerdócio, Ele o instituiu para o Sacrifício,
o Sacrifício da Cruz, porque esse Sacrifício é a fonte de todos os méritos, de
todas as graças, de todos os Sacramentos; a fonte de toda a riqueza da Igreja.
Isso devemos recordar, ter sempre presente essa realidade, divina realidade.
Portanto, é o Sacrifício da Cruz que se renova sobre nossos altares, e o
Sacerdócio está em relação com ele, em relação essencial com esse Sacrifício.
Não se compreende o Sacerdócio sem o Sacrifício, porque o Sacerdócio foi feito
para o Sacrifício. Poder-se-ia dizer também: é a Encarnação de Jesus Cristo,
séculos a fora: "usque ad finem temporum" (1) , o Sacrifício da Missa será
oferecido.
Se
Jesus Cristo quis esse Sacrifício, quis também ser nele a vítima, uma vez que é
o Sacrifício da Cruz que continua, Ele quis que a vítima fosse sempre a mesma,
quis ser Ele próprio a vítima. Para ser a vítima, Ele tem que estar presente,
verdadeiramente presente nos nossos altares. Se Ele não estiver presente, se
não houver a Presença Real nos nossos altares, não haverá vítima, não haverá
Sacerdócio. Tudo está ligado: Sacerdócio, Sacrifício, Vítima, Presença Real,
portanto transubstanciação.
Aí está
“o coração” do tesouro – o maior, o mais rico – que Nosso Senhor concedeu à Sua
Esposa, a Igreja e a toda a humanidade. Assim podemos compreender que, quando
Lutero quis transformar, mudar esses princípios, começou por combater o
Sacerdócio; como o fazem os modernistas. Pois Lutero bem sabia que se o
Sacerdócio desaparecesse, não mais haveria Sacrifício, não mais haveria Vítima,
não haveria mais nada na Igreja, não mais haveria a fonte das graças.
Como procedeu Lutero para dizer que não
haveria mais Sacerdócio?
Como procedeu Lutero para dizer que não haveria mais Sacerdócio? Dizendo: “Não
existe diferença entre padres e leigos. O Sacerdócio é universal”. Tais
eram as idéias que ele propagava. Ele dizia que há três muros de defesa
cercando a Igreja. O primeiro muro é essa diferença entre padres e leigos. (Sua
Excia. Então lê): “A descoberta de que o Papa, os bispos, os padres, os
religiosos compõem o Estado Eclesiástico, ao passo que os príncipes, os
senhores, os artesãos, os camponeses formam o estado secular, é pura invenção,
uma mentira”. Essa diferença entre padres e leigos é então uma invenção,
uma mentira. Eis o que diz Lutero: “Na realidade, todos os cristãos
pertencem ao estado eclesiástico”. Não há diferença, a não ser a diferença
de funções, de serviço. Todos têm o Sacerdócio a partir do Batismo; têm-no em
razão do caráter batismal, todos os cristãos são padres e os padres não têm um
caráter especial, não há um sacramento especial para os padres, mas seu caráter
sacerdotal lhes vem do caráter do Batismo. Assim também se explica esta
laicização dos padres; eles não querem mais ter uma veste particular, não
querem mais se distinguir dos fiéis, porque todos são padres; e são os fiéis
que devem escolher os padres, eleger os seus padres.
Tais foram os princípios de Lutero, que prossegue: “Se um Papa ou um Bispo
confere a unção, faz tonsuras, ordena, consagra ou dá uma veste diferente aos
leigos ou aos padres, está criando enganadores”. Todos são consagrados
padres, a partir do Batismo. Os progressistas do nosso tempo não descobriram
novidades.
Há um novo
livro sobre os Sacramentos, aparecido em janeiro deste ano em Paris, sob a
autoridade do Arcebispo, o Cardeal Marty. Saiu há pouco. Seus autores
descobriram oito sacramentos, não mais sete, porque o oitavo sacramento é a
profissão religiosa. Eles dizem claramente, nesse livro, que todos os fiéis são
padres e que o caráter sacerdotal vem do caráter do Batismo. Os autores, por
certo, devem ter lido Lutero, transformado para eles em Padre da Igreja.
Lutero não acreditou
mais na Transubstanciação, nem no Sacrifício
Lutero deu também outro passo à frente, após a supressão do Sacerdócio. Ele não
acreditou mais na Transubstanciação, nem no Sacrifício. E disse claramente que
a Missa não é um Sacrifício. A Missa é uma Comunhão. Podemos então chamar a
Missa de Comunhão, Ceia, Eucaristia, tudo, menos Sacrifício. Não há, portanto,
Vítima, nem Presença Real, mas apenas uma presença espiritual, uma recordação
ou comunhão. Foi por isso que Lutero sempre combateu as Missas privadas; foi
uma das primeiras coisas feitas por ele, porque uma Missa privada não é uma
Comunhão. É preciso que os fiéis comunguem. A Missa privada, então, não está
conforme a verdade, é preciso suprimir todas as Missas privadas.
Ele
chamava a Eucaristia de “Sacramento do Pão”. A Eucaristia, (dizia ele),
tornou-se uma lamentável maldade. Essa “maldade” da Missa provém de
terem feito dela um Sacrifício. Somos forçados a constatar que não se fala mais
de Sacrifício da Missa nos boletins diocesanos ou paroquiais, mas de
Eucaristia, de Comunhão, de Ceia. Que singular semelhança com as teses de
Lutero!
Lutero faz ainda uma
distinção entre os fins do Sacrifício da Missa
Além
disso, Lutero faz ainda uma distinção entre os fins do Sacrifício da Missa. Ele
diz que um dos fins do Sacrifício da Missa é render graças a Deus. A Eucaristia
é um sacrificium laudis, mas não um sacrificium expiationis, não
um Sacrifício de expiação, mas de louvor, de eucaristia. Por isso é que se
certos protestantes ainda falam de Sacrifício, nunca o é no sentido de
sacrifício expiatório, que remite os pecados. No entanto se trata de um dos
principais fins do Sacrifício da Missa, a remissão dos pecados.
Por isso
é que os protestantes modernos aceitam o novo rito da Missa, porque, dizem
eles, (isso saiu publicado em uma revista da Diocese de Estrasburgo, noticiando
uma reunião de protestantes da Confissão de Augsburgo), agora, com o novo rito,
é possível rezar com os católicos. (L’Eglise en Alsace de 8-12-1973 e 1-1-1974). “De fato, com as atuais formas de celebração eucarística da Igreja
Católica, e com as presentes convergências teológicas, muitos obstáculos que
podiam impedir que um protestante participasse da celebração eucarística estão
desaparecendo e agora vai se tornando possível reconhecer na celebração
eucarística católica, a Ceia instituída pelo Senhor. Temos à disposição novas
orações eucarísticas, que têm a vantagem de apresentar variações à Teologia do
Sacrifício”. Isso é evidente! Há duas semanas
atrás, estando eu na Inglaterra, soube que um bispo anglicano adotou, ultimamente,
o novo rito católico para toda a sua diocese. E declarou: “Este novo rito é
muito conforme com as nossas idéias protestantes.” É pois evidente que para
os protestantes, não há mais dificuldades para admitir o novo rito. Por que
eles não tomam o antigo rito? Foi o que o Senhor Salleron perguntou aos padres
de Taizé: “Por que dizeis que hoje podeis admitir este novo rito e não o
antigo?”
Portanto há uma diferença entre o novo e o antigo e esta diferença é essencial;
não é uma diferença acidental, porque eles não aceitam usar o antigo rito, com
todas as orações dotadas de precisão e que esclarecem realmente a finalidade do
Sacrifício: propiciatório, expiatório, eucarístico e latrêutico. Esta é a
finalidade do Sacrifício da Missa católica que, claro no antigo rito, não o é
mais no novo rito, porque não há mais Ofertório. E é também por isso que Lutero
não quis Ofertório no rito dele.
Como Lutero inaugurou
sua nova Missa
Vejamos
como Lutero inaugurou sua nova Missa, sua reforma. A primeira missa evangélica
foi levada a efeito na noite de 24 para 25 de dezembro de 1521. Nessa primeira
missa evangélica, depois da pregação sobre a Eucaristia, eles falaram sobre a
Comunhão sob as duas espécies como obrigatória e sobre a Confissão como inútil,
bastando a fé. A seguir, Karlstadt, seu discípulo, apresentou-se no altar, com
vestes seculares, recitou o Confiteor, começou a Missa como era antes, mas
somente até o Evangelho; o Ofertório e a Elevação foram supressos (pág.282), o
que quer dizer que tudo o que significava idéia de Sacrifício foi retirado.
Após a Consagração veio a Comunhão e muitos assistentes haviam bebido e comido,
e até, tomado aguardente, antes de comungar; comungaram sob as duas espécies e
o pão consagrado, (dado) nas mãos. Uma das hóstias escapole e cai em cima da
roupa de um assistente. Um padre a recolhe. Uma outra cai no chão e Karlstadt
diz aos leigos para apanhá-la; e como eles se recusam, por respeito ou temor,
ele declara: “Que ela permaneça onde está, pouco importa, contanto que não
se pise em cima”. Pouco depois ele próprio a apanhou (pág.282). Muitos
leigos, inúmeras pessoas estavam contentes com a novidade e eram muitos os que
vinham assistir a essa nova Missa evangélica, porque uma parte era dita em
língua alemã, e eles diziam que compreendiam melhor. Então os mosteiros
começaram a se esvaziar. Lutero tinha declarado: “Eu conservarei o meu
hábito, meu modo de me apresentar como monge”, mas muitos monges saíram;
alguns ficaram nos mosteiros, mas a maioria se casou. Reinava grande anarquia
entre os padres. Cada um celebrava sua missa como queria. O Conselho não sabia
mais o que fazer (pág.285), tomando então a resolução de fixar uma nova
liturgia, de não mais deixar a liberdade e de por um pouco de ordem. A maneira
de celebrar a Missa deveria ser então a seguinte: Intróito, Glória, Epístola,
Evangelho, Sanctus. Depois havia uma pregação; Ofertório e Cânon ficavam
supressos; o padre então pronunciava a instituição da Ceia, que ele proferia,
em voz alta, em alemão e distribuía a Comunhão sob as duas espécies. Depois
vinha o Agnus Dei e o Benedicamus Domino, para terminar.
As
modificações da Consagração introduzidas no Novus Ordo são semelhantes às que
foram introduzidas por Lutero; as palavras essenciais da Consagração não são
mais unicamente as palavras da forma, tais como sempre tinham sido conhecidas:
“HOC EST CORPUS MEUM. HIC EST CALIX SANGUINIS MEI,” e as palavras que lhe
seguem. Não! A partir de então, as palavras essenciais começam nos seguintes
termos: “Ele tomou o pão”, até as palavras após a consagração do vinho: “HOC
FACITE IN MEAM COMMEMORATIONEM”. Lutero disse a mesma coisa. Por que? Porque se
lê a narrativa da Ceia. “É uma narrativa, não uma ação, não um Sacrifício,
não uma ação sacrifical, mas um simples memorial”. Por qual razão nossos
inovadores o copiaram de Lutero?
Lutero diz também: “As Missas e as Vigílias estão encerradas. O Ofício será
conservado, assim como as Matinas, as Horas menores, as Vésperas, Completas,
mas somente o Ofício ferial. Não se comemorará mais santo algum que não esteja
expressamente nomeado na Escritura”. Desse modo, ele mudou completamente o
Calendário, exatamente como foi feito atualmente (pág.309).
Donde
podemos concluir: A atual transformação é idêntica à de Lutero. Um último
exemplo, o das palavras da Consagração do pão: “HOC EST CORPUS MEUM, QUOD PRO
VOBIS TRADETUR”. Também Lutero acrescentou essas últimas palavras, porque,
justamente são palavras da Ceia, pois ele pretendia que a Ceia não fosse um
Sacrifício, mas uma refeição.
Ora, o Concílio de Trento diz explicitamente: Quem disser que a Ceia não é um
Sacrifício seja anátema. A Ceia foi um Sacrifício. E nossa Missa é a
continuação da Ceia, porque a Ceia foi um Sacrifício. Isso já se constata na
separação prévia do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo. O Sacrifício já estava
significado por essa separação, no entanto Lutero afirma: “Não. A Ceia não é
um Sacrifício”, é por isso que nós devemos repetir todas as palavras que
Nosso Senhor disse na Ceia, ou seja: “HOC EST CORPUS MEUM QUOD PRO VOBIS
TRADETUR”, que será entregue por vós sobre a Cruz.
Por que imitar tão
servilmente Lutero na Nova Missa?
A
única razão que se pode aduzir é a do Ecumenismo. Pois sem esse motivo, nada se
pode compreender dessa reforma. Ela não tem absolutamente vantagem alguma, nem
teológica, nem pastoral. Nenhuma vantagem a não ser a de nos aproximar dos
protestantes. Podemos legitimamente pensar, que foi por isso que os
protestantes foram convidados para a Comissão da Reforma Litúrgica; para
ficarmos sabendo se estavam satisfeitos ou não, ou se havia alguma coisa que
lhes não agradava, se eles podiam ou não rezar conosco. Eu penso que não pode
existir outro motivo para esta presença dos protestantes na Comissão de reforma
da Missa. Mas como podemos pensar que protestantes, que não têm nossa fé,
possam ser convidados para uma Comissão destinada a fazer uma reforma de nossa
Missa, de nosso Sacrifício, daquilo que temos de mais belo, de mais rico em
toda a Igreja, o objeto mais perfeito de nossa fé?!
Lutero,
em janeiro de 1526, promoveu a impressão de um novo ritual para as cerimônias
da Missa. No seu pensamento, ele queria a liberdade total. E dizia (pág.314): “Se
possível, eu gostaria de dar total liberdade aos padres, para fazerem o rito
que quiserem; mas há o perigo de abusos, então é preciso estabelecer regras”.
Seu pensamento, porém era de liberdade total. E também de igualdade entre os
padres e os fiéis. E assim, todos os fiéis sendo padres, poderiam, também eles,
ter idéias de como criar o culto. Então, todos juntos, aqueles que são padres,
aqueles que têm uma função especial, aqueles que são escolhidos dentre os
fiéis, todos juntos podem demonstrar sua criatividade no culto.
Mas como
era um pouco difícil, acabaria havendo bastante desordem, então ele escreveu um
ritual. Nessa ocasião ele dizia também: “O uso do latim é facultativo”.
Ele não era absolutamente contra o latim. Queria até que as crianças
aprendessem latim. Mas também dizia: “O desejo dos leigos comuns de ter uma
Missa em alemão é perfeitamente legítimo. Contudo há pessoas que vão à Igreja
para ver novidade, para ver coisas novas. Esses, no entanto, não são
verdadeiros cristãos, são curiosos, como se fossem aos turcos ou aos pagãos”.
Nos domingos
se celebra a Missa. Mas Lutero conserva a palavra Missa com certa repugnância.
As vestes sagradas, as velas são ainda mantidas provisoriamente. Começa-se com
o Intróito em alemão, depois o Kyrie, depois uma Oração cantada pelo
celebrante, ainda voltado para o altar, não para o povo. Mas para a Epístola e
para o Evangelho, cantados em alemão, se voltará para o povo, quando então
todos cantam o Credo em língua vulgar (pág.316).
O
celebrante dirá uma paráfrase do Pater, uma exortação à Comunhão, depois vem a
Consagração, que será cantada, em alemão, assim: “Na noite em que foi
traído, Nosso Senhor Jesus Cristo tomou o pão, rendeu graças e o partiu e
apresentou a seus discípulos e disse: Tomai e comei, isto é o meu Corpo que é
dado por vós”. – HOC EST CORPUS MEUM QUOD PRO VOBIS TRADETUR; estas são as
palavras exatas –. “Fazei isto todas as vezes que o fizerdes, em memória de
mim. Do mesmo modo, Ele tomou também o cálice, após a Ceia e disse: Tomai e
bebei dele todos, este é o cálice, um novo Testamento em meu Sangue, que é
derramado por vós, para a remissão dos pecados”. Não disse PRO VOBIS ET PRO
MULTIS, fez desaparecer as palavras PRO MULTIS e também MYSTERIUM FIDEI. (pág.
317)
Mysterium fidei e pro multis
desapareceram... “Que é derramado por vós, para a remissão dos pecados,
fazei isso todas as vezes que beberdes esse cálice em memória de mim”.
Essas palavras que Lutero dizia ser a consagração, portanto as palavras
essenciais, correspondem exatamente às palavras do documento da Congregação do
Culto. A única expressão a mais é pro multis, que restou no documento do
Vaticano. Mas todas as palavras, assim como as que são ditas antes: “Na
noite em que foi traído, Nosso Senhor tomou o pão”, essas palavras não são
da forma; nunca a Igreja disse que as palavras, que precedem a Consagração,
fazem parte da forma do Sacramento.
Depois da
elevação, que Lutero conservou até 1542, vinha a Comunhão na mão. Uma última
oração – a coleta – terminava a Missa como a Postcomunio dos católicos
(págs.317-318).
Evidentemente
Lutero não aceitou o celibato e lutou contra os votos dos religiosos. Ele
queria o fim desses costumes da Igreja. Mas, coisa bastante curiosa, ele sempre
teve certo medo das reformas que ele tinha feito. Seus discípulos iam à
vanguarda, mais depressa do que ele; ele sempre estava um pouco ansioso. Dizia
a seus discípulos: “Eu condeno a nova prática de dar a Eucaristia de mão em
mão, bem como o uso irrefletido da Comunhão sob as duas espécies”. Isso nos
primeiros tempos, depois ele aceitou; mas logo de começo lhe parecia que essa
Comunhão na mão não era boa coisa.
Depois de ter
dito que a Confissão não era necessária, mesmo para aqueles que tinham pecados
graves, hesitou e disse: “A Confissão é boa, mas se o Papa me pedir para me
confessar, eu me recusarei a fazê-lo, eu não me quero confessar. Nem por isso
eu aceito que alguém me proíba essa confissão secreta. Eu não a cederei nem por
todos os tesouros da terra, porque eu sei o que ela já me proporcionou de força
e de consolação...”
Lutero
estava roído de remorsos, no entanto vivia devorado pela necessidade de fazer
novidades, de mudar tudo, de ir contra o Papa, contra a Igreja Romana, contra o
dogma. Por isso ele continuou sua reforma.
A reforma litúrgica
atual se inspira na reforma de Lutero
É
evidente que a reforma litúrgica atual se inspira na reforma de Lutero. Eu
disse isso, em Roma, a muitos Cardeais: “Vossa nova Missa é a Missa de
Lutero!” A isso me foi respondido: “Mas então ela é herética!” E eu
respondi: “Não, ela não é herética, mas é ambígua, equívoca, pois um pode
celebrá-la com a fé católica integral do Sacrifício, da Presença Real, da
Transubstanciação e outro pode celebrá-la sem ter essa intenção e, nesse caso,
a Missa não será mais válida. As palavras que ele pronuncia e os gestos que ele
faz não o contradizem. Ela é equívoca, sim, equívoca. E certamente Lutero,
durante muitos anos, a celebrou validamente, quando ele ainda não estava contra
o Sacrifício, quando ele era ainda mais ou menos católico. Porém, mais tarde,
quando ele recusou o Sacrifício, o Sacerdócio, a Presença Real, então sua Missa
passou a não ter mais validade”.
Mas como
uma Missa pode ser assim equívoca? É impossível fazer isso com o antigo rito,
porque ele é claro, ele é claro. O Ofertório todo diz com clareza o que nós
realizamos. O Ofertório é uma verdadeira definição do Sacrifício da Missa. Por
isso é que Lutero era contra o Ofertório, porque ele era por demais claro, e
foi por isso que ele fez aquelas mudanças no Cânon para não deixar perceber se
é uma narração ou uma ação; mas nós, nós sabemos que a Consagração é uma ação
sacrifical.
Eles
sabem que em nossos antigos Missais, antes do Communicantes, está escrito infra
actionem, pois não se trata de uma narração, nem de um memorial, uma
simples recordação. É uma ação. Uma ação sacrifical.
Todas essas mudanças
no novo rito são realmente perigosas
Todas essas mudanças no novo rito são realmente perigosas, porque, pouco a
pouco, sobretudo para os padres novos, que não têm mais a idéia do Sacrifício,
da Presença Real, da Transubstanciação, para os quais tudo isso não significa
mais nada, esses padres novos perdem a intenção de fazer o que a Igreja faz, e
não celebram mais missas válidas; não há mais a Presença Real.
Certamente
os padres idosos, quando celebram conforme o novo rito, conservam ainda a fé de
sempre. Celebraram a Missa no antigo rito, durante tantos anos, que conservam
as mesmas intenções; então se pode crer que a Missa deles é válida. Mas na
medida em que essas intenções se vão, desaparecem, nessa mesma medida as Missas
deixarão de ser válidas.
Eles quiseram se aproximar dos protestantes, mas foram os católicos que se
tornaram protestantes e não os protestantes que se tornaram católicos. Isso é
evidente, ninguém pode dizer o contrário.
Quando
cinco Cardeais e quinze Bispos compareceram ao “Concílio dos Jovens”, em Taizé,
como esses jovens poderiam saber o que é catolicismo e o que é protestantismo?
Alguns receberam a Comunhão das mãos dos protestantes, outros dos católicos.
Quando o
Cardeal Willebrands esteve em Genebra, no Conselho Ecumênico das Igrejas,
declarou: “Temos que reabilitar Lutero”.Ele o disse, como enviado da
Santa Sé.
Vede a
Confissão. Em que se transformou a Confissão, o Sacramento da Penitência, com
essa absolvição coletiva? É acaso pastoral esse modo de dizer aos fiéis: “Nós
demos a absolvição coletiva, os senhores podem comungar; quando tiverem
oportunidade, se tiverem pecados graves, confessem-se no prazo de seis meses a
um ano...” Quem pode dizer que esse modo de proceder é pastoral? Que idéia
se poderá fazer do pecado grave?
E a Confirmação
O
Sacramento da Confirmação também está numa situação idêntica. Realmente eu
penso que as palavras do livro dos Sacramentos da Comissão do Arcebispo de
Paris, que constituem a forma, tornam o Sacramento inválido. Por que? Porque
não há mais a significação do Sacramento na forma. O Bispo, quando confere o
Sacramento da Confirmação, diz: “Signo te, signo Crucis et confirmo te
Chrismate salutis, in nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti” e “Confirmo
te Chrismate salutis”. A Confirmação: “confirmo te.”
Agora estão dizendo: “Eu te assinalo com a Cruz e recebe o Espírito Santo”.
É obrigatório esclarecer qual a graça especial do Sacramento, no qual se
confere o Espírito Santo. Se não se diz esta palavra: “Ego te confirmo in
nomine Patris...” Não há o Sacramento! Eu o disse também aos Cardeais,
porque eles me declararam: “O senhor confere a Confirmação sem ter o direito
de o fazer”. - “Eu o faço, porque os fiéis têm medo que seus filhos
fiquem sem a graça da Confirmação, porque eles têm dúvida a respeito da
validade do Sacramento, que é conferido atualmente nas igrejas. Não se sabe
mais se é verdadeiramente um Sacramento ou não. Então, ao menos para ter essa
certeza de ter realmente a graça, me pedem para crismar, e eu o faço porque me
parece que eu não posso recusar aos que me pedem a Confirmação válida, pois ao
menos eles recebem a graça, mesmo que não seja lícito, porque nós estamos num
tempo em que o direito divino natural e sobrenatural passa à frente do direito
positivo eclesiástico, já que este se lhe opõe, em vez de lhe servir de canal”.
Estamos em uma crise
extraordinária
Nós não
podemos seguir essas reformas. Onde estão os frutos dessas reformas? Eu, de
fato, me pergunto! Reforma litúrgica, reforma dos seminários, reforma das
congregações religiosas, todos esses capítulos gerais! Onde eles estão
colocando essas pobres congregações atualmente? Tudo se acabando...! Não há
mais noviços, não há mais vocações...!
Eles próprios reconhecessem que não há mais vocações. O Cardeal Arcebispo de
Cincinatti o reconheceu também no Sínodo dos Bispos, em Roma: “Em nossos
países (ele representava todos os países de língua inglesa), não há mais
vocações, porque não sabem mais o que é o padre”.
Nós
devemos nos conservar na Tradição. Só a Tradição nos concede realmente a graça,
nos proporciona realmente a continuidade na Igreja. Se abandonarmos a Tradição,
passaremos a contribuir para a demolição da Igreja.
O liberalismo
penetrou na Igreja através do concílio
Também isso eu disse àqueles Cardeais! “Não vedes que o Esquema da Liberdade
Religiosa do Concílio é um esquema contraditório? Na primeira parte do Esquema
está dito:‘Nada muda na Tradição’, e , dentro do Esquema, está tudo ao
contrário da Tradição. O contrário do que disseram Gregório XVI, Pio IX e Leão
XIII”.
Portanto é preciso escolher! Ou estamos de acordo com a liberdade religiosa do
Concílio e então somos contrários ao que esses Papas disseram, ou então nos
conservamos de acordo com esses Papas e então nos recusamos a concordar com o
que está contido no Esquema sobre a Liberdade Religiosa. É impossível estar de
acordo com os dois. E acrescentei: eu me atenho à tradição, eu sou pela
tradição, e não por essas novidades que constituem o liberalismo. Não é
absolutamente outra coisa senão o liberalismo, que foi condenado por todos os
pontífices, durante século e meio.
Esse
liberalismo penetrou na igreja através do concílio: a liberdade, a igualdade, a
fraternidade.
A liberdade: a liberdade religiosa.
A fraternidade: o ecumenismo.
A
igualdade: a colegialidade.
E
estes são os três princípios do liberalismo, originado dos filósofos do século
XVIII, e que levou a efeito a revolução francesa.
Foram essas idéias que entraram no
concílio, por meio de palavras equívocas.
E agora vamos à ruína, a ruína da Igreja,
porque essas idéias são absolutamente contra a natureza e contra a fé. Não
existe igualdade entre nós. Não existe verdadeira igualdade. O papa Leão XIII
disse isso bastante claro, em sua encíclica sobre a liberdade.
A fraternidade
também! Se não houver um pai, como acharemos fraternidade? Se não há pai, se
não há deus, como podemos ser irmãos? Como se pode ser irmão, se não houver um
pai comum? Impossível! Devemos então abraçar todos os inimigos da igreja, os
comunistas, os budistas e todos os outros que são contra a igreja, os Maçons?
Esse
decreto de uma semana atrás, que diz que agora não há mais excomunhão para um
católico que entre na maçonaria. Mas onde está a igreja? Isso é impossível! Os
Mações são os inimigos tradicionais da igreja, são aqueles que querem destruir
os países católicos! Quem destruiu Portugal? Quem estava no Chile? E agora no
Vietnam do sul! Porque esses países são católicos! E que será da Espanha dentro
de um ano, da Itália, etc...? Porque a Igreja abre os braços a toda essa gente
que são inimigos dela?
Temos que rezar
Na
verdade temos que rezar, rezar; é um assalto do demônio contra a Igreja, como
jamais se viu igual. Devemos rezar a Nossa Senhora, a Bem-Aventura Virgem
Maria, para que Ela venha em nosso socorro, porque realmente nós não sabemos o
que será de amanhã. E realmente parece que toda essa ruína trará conseqüências
terríveis ao mundo. É impossível que Deus aceite todas essas blasfêmias,
sacrilégios que são praticados contra Sua Glória, Sua Majestade!
Ele tem
muita paciência, mas virá o dia (quando virá, eu não sei), virá o dia do
castigo, porque todas essa legalizações, leis sobre o aborto, que vemos em
tantos países, o divórcio na Itália, toda essa ruína da lei moral, ruína da
verdade, realmente é difícil acreditar que tudo isso se possa fazer, sem que
Deus fale um dia!
Então
temos que pedir a Deus misericórdia por nós e por nossos irmãos. Mas também
temos que lutar, combater. Combater para conservar a Tradição e não ter medo.
Conservar, acima de tudo, o rito de nossa Santa Missa, porque Ela é o fundamento
da Igreja e da civilização cristã. Quando não houver mais uma verdadeira
Missa na Igreja, a Igreja acabará.
Temos que conservar
esse rito, esse Sacrifício
Portanto
temos que conservar esse rito, esse Sacrifício. Todas as nossas igrejas foram
construídas para esta Missa, não para uma outra Missa; para o Sacrifício da
Missa, não para uma Ceia, para uma Refeição, para um Memorial, para uma
Comunhão, não! Para o Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo, que continua
sobre nossos altares! Foi por isso que nossos pais construíram essas belas
igrejas, não para uma Ceia, não para um Memorial, não!
Conto com
vossas orações por meus seminaristas, para fazer de meus seminaristas
verdadeiros padres, que tenham fé e que possam assim, ministrar sacramentos
verdadeiros e o verdadeiro Sacrifício da Missa. Obrigado.
+ Marcel Lefebvre,
Arcebispo.
Superior da Fraternidade São Pio X.
1. Até o fim dos tempos -
(Nota do Tradutor).
Superior da Fraternidade São Pio X.
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