Bi-ritualismo:
Missa Nova e Missa Tradicional
A Santa Missa é o Sacrifício do Corpo e do Sangue
de Jesus Cristo, oferecido sobre os nossos altares, debaixo das espécies de pão
e de vinho, em memória do Sacrifício da Cruz.
A Santa Missa foi instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, na véspera de sua Paixão, quando celebrou a Última Ceia com seus Apóstolos. Jesus Cristo instituiu, então, o rito (conjunto: cerimônia e preces) essencial da Missa. No decurso dos primeiros séculos, assistida pelo Espírito Santo, a Igreja foi colhendo dos Apóstolos e depois dos seus mais santos doutores, os Santos Padres, as orações e as cerimônias que deviam acompanhar a celebração da Missa, explicitando as verdades da Fé que ela encerra, orientada pelo célebre princípio : “lex credendi, lex orandi”: a lei da Fé deve estabelecer a lei da oração.
Foi assim, nesse processo vital, que se formou a
maravilhosa liturgia romana da Santa Missa. Em 1570, o Papa São Pio V, por
determinação do Concílio de Trento, prescreveu, de modo obrigatório, a todos os
padres de rito latino e para sempre – exceção feita para algumas liturgias
bicentenárias -, celebrar a Missa conforme esse rito apostólico da Igreja. Com
esta prescrição erguia-se uma “barreira instransponível contra qualquer
tentativa de atacar o mistério” (Carta dos Cardeais
Ottaviani e Bacci) da Santa Missa.
De fato, sempre houve um paralelismo entre a
norma de agir da Igreja e da heresia. Como a Liturgia serve não somente para o
culto divino mas também para a profissão e difusão da fé católica, assim os
hereges se aproveitam da Liturgia para deturpá-la no sentido que lhes sirva
para fixação e difusão de seus erros. Pode-se dizer que cada heresia tem sua
expressão litúrgica. É isto o que demonstra o Pe. Manuel Pinto, S.J., em seu
livro “O Valor teológico da Liturgia”, art. II.
Não tem sido diversa a atitude dos hereges de
nosso século, procuram ansiosamente corromper a fé através da deturpação da
liturgia. Denunciaram e condenaram esta manobra os Papas São Pio X na Encíclica Pascendi
e Pio XII, na “Humani
Generis”, “Mystici
Corporis” (link em inglês) e “Mediator
Dei” (link em inglês).
A partir do Concílio Vaticano II (1962), no
entanto, foi determinada uma reforma total da liturgia, para amoldá-la ao
espírito ecumênico do Concílio: retirar da liturgia da Missa tudo quanto
pudesse ser obstáculo ao diálogo com as outras religiões. A reforma foi
empreendida por uma Comissão de Liturgia composta de pessoas não muito
preocupadas com a pureza da Fé, isto é, peritos liturgicistas (Pio XII condenou
o liturgicismo) e seis pastores protestantes. Ronald Jasper foi um dos
protestantes que fizeram parte do Consilium de Liturgia do qual saiu a
missa nova: “Nós tínhamos sempre uma reunião informal com os Peritos que
haviam preparado os projetos, e nessas reuniões éramos autorizados a comentar,
criticar e dar sugestões” (carta a Michael Davies, 10/02/1977). Surgiu
então, a nova Liturgia da Missa – Novus Ordo Missae -, que ficou
conhecida como missa nova ou missa de Paulo VI. Promulgada por este Papa, em
1969, ela foi imposta a toda a Igreja, em substituição à Missa de sempre.
Por que uma nova missa?
Eis o testemunho insuspeito do presidente da
Comissão de Liturgia, principal responsável pela nova Missa, Aníbal Bugnini: “a
oração da Igreja não deve ser estorvo para ninguém” é portanto, necessário
“remover todas as pedras que possam constituir mesmo uma sombra de risco de
obstáculo ou de desagrado para os nossos irmãos separados” – quer dizer de
outras religiões – (L’Osservatore Romano, 13/10/1967). E este jornal oficial da
Santa Sé anunciava com satisfação: “a reforma litúrgica deu um passo
notável para a frente e houve uma aproximação das formas da
Igreja luterana”. No mesmo sentido fala o teólogo, amigo
confidencial de Paulo VI, Jean Guitton:
“A intenção de Paulo VI, a respeito da
liturgia católica, foi reformá-la de modo a quase coincidir com
a liturgia protestante (…)
Repito, Paulo VI fez tudo quanto estava em seu
poder para aproximar a missa católica – afastando-se do Concílio de
Trento – da Ceia protestante (…) Há em Paulo VI uma intenção ecumênica
de apagar, ou ao menos corrigir, ou de abrandar, o que na Missa há de
demasiadamente católico, no sentido tradicional, e de aproximar a Missa
católica da missa Calvinista” (Emission de Radio-Courtoisie 61 bd
Murat, 75016 Paris, 19/12/1993).
De fato, a nova missa atenua as principais
verdades da Fé contidas na Santa Missa, que desagradam aos protestantes :
Presença Real de Jesus Cristo, Sacrifício Propiciatório, Sacerdócio
Hierárquico, Transubstanciação (conf. folhetos “Sessenta Razões” e “Missa
Nova, um caso de Consciência”, dos Padres de Campos).
A Missa nova foi recebida pacificamente na
Igreja?
As reações foram inúmeras. Até Cardeais e bispos,
inúmeros sacerdotes e fiéis de todas as partes denunciaram o caráter ambíguo,
ecumênico, nocivo da missa nova.
Mesmo assim, ela foi imposta e quem ousava
recusar celebrá-la era posto fora dos cargos eclesiásticos, tido como
desobediente, cismático… Estes católicos, inúmeros em todo o mundo, passaram a
ser conhecidos como tradicionalistas, por conservarem a Liturgia e a doutrina da
Tradição apostólica da Igreja; por rejeitarem o ecumenismo do concílio Vaticano
II e sua expressão litúrgica, a Missa Nova.
A Missa de sempre, Missa de todos os santos e
todos os papas até Paulo VI, consagrada por um uso bi-milenar na Igreja, passou
a ser tida como proibida, proscrita. Admitiam-se as piores profanações no
altar, dentro das igrejas, jamais a Missa tradicional.
“Um indulto”
Diante do expressivo crescimento do movimento
tradicional de adesão à Missa e à doutrina de sempre, em todo o mundo, nos anos
seguintes, Roma se viu constrangida a dar um passo atrás. Em 1984, o Papa João
Paulo II concedeu um indulto, autorizando, mediante certas condições, celebrar
a missa tradicional.
Mas este indulto, além de desnecessário –
porquanto o Papa São Pio V em 1570 já concedera um indulto perpétuo, nunca
validamente revogado, nem por Paulo VI -, continha uma restrição incompatível
com a consciência católica : a aceitação da legitimidade e exatidão doutrinária
da missa nova :
“Conste publicamente, sem ambigüidade alguma,
que o referido sacerdote e os respectivos fiéis (que usarem do indulto)não
compartilhem em nada da atitude daqueles que põem em dúvida a legitimidade e
exatidão doutrinária do missal romano promulgado pelo Romano Pontífice Paulo
VI, em 1970″ (Epist. “Quatuor ab hinc annos”, 3/10/1984).
Os bispos se encarregaram de ampliar mais essas
restrições de modo que poucos padres realmente chegaram a pedir o “indulto”.
Ecclesia Dei e bi-ritualismo
Mas, no dia 30 de junho de 1988, Dom Marcel
Lefebvre e Dom Antonio de Castro Mayer sagraram bispos para a sobrevivência da
Tradição Católica.
Dois dias depois, o Papa João Paulo II
criou uma Comissão Romana, a “Ecclesia Dei”,
destinada a “recuperar” aqueles
tradicionalistas que não apoiassem as sagrações. O Papa exortava então os
bispos a uma “mais ampla e generosa aplicação”
do Indulto concedido em 1984 (conf. Carta Apostólica “Ecclesia
Dei”, L’Osservatore Romano, 10 de julho de 1988).
Quais as verdadeiras intenções da Comissão
Ecclesia Dei?
“A Comissão Ecclesia Dei tem a intenção de
agir de sorte a inserir, da melhor maneira possível, os católicos tradicionais
nas estruturas existentes na Igreja” (carta da Comissão, de 23 de Novembro
de 1990, em Fideliter 80, março/abril 1991, p. 70).
“O Motu proprio Ecclesia Dei convida
os bispos a levar em conta a sensibilidade de certos grupos mas, de
nenhuma maneira, ela deve ser um meio de restabelecer o rito de antes do
Concílio e de ser um obstáculo à reforma litúrgica desejada pelo Vaticano II
(…) A liturgia de Paulo VI [que] é a liturgia oficial da Igreja e o sinal da
comunhão de todos os fiéis em torno de seu bispo”(carta da Comissão “Ecclesia
Dei” de 12 de fevereiro de 1992, em Fideliter, 96,
novembro-dezembro de 1993, p. 26).
Portanto : inserir os tradicionalistas
nas estruturas vigentes na Igreja – liberdade religiosa, ecumenismo, missa nova
e tantas outras novidades pós-conciliares.
Vários grupos tradicionais da Europa passaram a
ter contato com a Comissão e a ter “autorização” para celebrar a missa
tradicional, sempre nas condições estabelecidas pelo Indulto de 1984: sem ter
contato com os que põem em dúvida a legitimidade e exatidão doutrinária da
missa nova. Na Europa, destacam-se a Fraternidade São Pedro, o Instituto Cristo
Rei, o Mosteiro de Barroux. Aqui no Brasil, padres ligados à TFP e alguns
“conservadores”.
Esses grupos da Ecclesia
Dei formaram então uma espécie de linha média : celebram (ou
assistem) a missa tradicional, reconhecendo porém, a legitimidade e exatidão
doutrinária da missa nova. É o chamado bi-ritualismo : missa nova e missa
tradicional, os dois ritos convivendo pacificamente na Igreja.
1 – O bi-ritualismo envolve a aceitação, pelo menos implícita, da legitimidade e exatidão doutrinária da missa nova de Paulo VI. De fato, a Ecclesia Dei concede autorização para a Missa tradicional, mediante a aplicação do indulto concedido por João Paulo II, que contém esta restrição (conf. “Epist. Quator ab hinc annos” 1984).
2 – O bi-ritualismo envolve o
reconhecimento de que o rito oficial da Igreja, a partir de 1970, é a Missa
nova de Paulo VI. A Missa tradicional seria apenas uma exceção para os
de sensibilidade tradicionalista. “A liturgia de Paulo VI é a liturgia
oficial da Igreja” (Carta da Comissão Ecclesia Dei, 12 de
fevereiro de 1962).
3 – O bi-ritualismo é um perigo para a
fé. Porquanto põem padres e fiéis num perigoso contato com o
progressismo reinante na Igreja: com o novo catecismo, com o novo Código de
Direito Canônico, com o novo Martiriológio (que está para vir) no qual deverão
constar personagens de outras religiões, com os Sacramentos administrados em
novo rito, com as novas orações e cânticos, com a nova teologia dogmática e
moral dos novos sacerdotes formados nas universidades profanas. Este contato é
sobretudo perigoso para os fiéis simples, para as crianças.
4 – O bi-ritualismo é uma ilusão, uma
miragem. Com o bi-ritualismo, a intenção das autoridades eclesiásticas
não é, de modo algum, voltar à Tradição da Igreja, nem mesmo dar liberdade aos
fiéis à Tradição, mas neutralizar qualquer resistência e “inserir” os
tradicionalistas nas estruturas do progressismo, impondo-lhes aos poucos a
missa nova. Eis o que afirmava o Papa João Paulo II aos monges do mosteiro de
Barroux: “A Santa Sé concedeu a vosso mosteiro a faculdade de usar os
livros litúrgicos em uso em 1962 (missa tradicional)… É bem evidente que longe
de procurar frear a aplicação da reforma empreendida após o Concílio (missa
nova), esta concessão é destinada a facilitar a comunhão eclesial das pessoas
que se sentem ligadas a estas formas litúrgicas” (L’Osservatore Romano,
2/10/1990 – ed. francesa).
E um dos bispos de Paris, Dom Vingt-Trois,
declarou ao Pe. Christian Bouchacourt, da Fraternidade São Pio X, no dia 8 de
janeiro de 1997: “A intenção do Papa e do Cardeal de Paris com essa
autorização da missa antiga, é levar todos os católicos de
sensibilidade tradicionalista à eclesiologia do Concílio Vaticano II”.
Perguntado até quando durariam tais autorizações,
Dom Ving-Trois respondeu: “Até à extinção desses católicos”. Em
1989, a um padre que pedia autorização para celebrar apenas uma Missa conforme
o rito tradicional, num capela de um colégio de São Paulo, o Cardeal respondia
: “Fica concedida a licença ao Revmo Pe. X de celebrar a Santa Missa de 7º
dia do senhor seu pai na Capela X. às 12 horas do dia 8. O Revmo Sacerdote
celebrará a Santa Missa seguindo o rito de São Pio V, contanto
que o mesmo e as pessoas aceitem as decisões do Concílio Vaticano II.”
Dom Raffin, bispo de Metz, afirma : “A
situação atual é um parêntese misericordioso para as pessoas que devem se
apropriar progressivamente do Ordo Missae de Paulo VI, porque não se trata de
fazer do rito tridentino (missa tradicional) um novo rito latino como ele
existiu e ainda existe” (La Nef, nov. 1992)
O bi-ritualismo é, portanto, uma ilusão, uma
miragem. Aos poucos, os bi-ritualistas serão levados a celebrar habitualmente a
missa nova.
5 – O bi-ritualismo é uma armadilha.
De fato, todos os grupos tradicionais que fizeram acordo já estão se alinhando
ao progressismo. O superior do Instituto Cristo Rei apareceu numa foto
concelebrando a missa nova. Ele esteve no Brasil no ano de 1997 fazendo
conferência na TFP, da qual recebeu empolgante elogios. As Constituições desse
Instituto são baseadas no Concílio Vaticano II, como demonstrou a revista “Sel
de la terre”. Alguns destes ex-tradicionalistas já distribuem a comunhão
na mão. O abade do Barroux também concelebra a missa nova. Os padres da TFP
aqui na diocese já assistem à Missa nova, levam seus fiéis à missa nova,
aceitam que o bispo diocesano, ao visitar suas paróquias, celebre a missa nova
para suas comunidades.
Representantes destes grupos já são favoráveis à
liberdade religiosa do Vaticano II, ao novo Catecismo.
Portanto, o bi-ritualismo além de ser uma ilusão,
é perigosa armadilha para se cair no progressismo.
6 – O bi-ritualismo é uma grave falta de
caridade. Quando a Igreja é atacada publicamente, sobretudo em algo
essencial como a Fé, temos o dever de defendê-la publicamente. Ora a Missa nova
é um dos mais duros golpes desferidos contra a Igreja, contra a Fé da Igreja,
em toda a sua História. Portanto, todos, leigos e eclesiásticos, temos o dever
de defender publicamente a Santa Igreja do golpe desferido pela Missa nova.
Na história dos mártires vemos, com freqüência,
que, diante dos tormentos, seus familiares vinham propor-lhes uma atitude
conciliatória: ceder só externamente diante dos tiranos, para se verem livres
dos tormentos, conservando internamente a fé e a rejeição ao erro que lhes era
imposto. No entanto, eles só mereceram a coroa do martírio, porque se negaram a
essa atitude de convivência com o erro.
Essa parece ser a proposta feita hoje aos
católicos tradicionais: “procurem a Ecclesia Dei, façam um acordo pro
forma, comprometam-se a não ter nem mesmo contato com aqueles que “põem
em dúvida a legitimidade e exatidão doutrinária da missa nova”; depois
deste compromisso, continuem a criticar a Missa nova, “intra muros”.
Santa Cirila, mártir da Líbia, “por muito
tempo conservou brasas com incenso sobre a mão imóvel, para que, sacudindo as
brasas, não parecesse ter sacrificado incenso aos ídolos” (Martirológico
Romano, 6 de julho).
Exemplo perfeito para o católico de hoje. Não
basta internamente, de maneira privada, rejeitar a missa nova. As autoridades eclesiásticas,
os fiéis, de qualquer parte e de qualquer tempo, precisam de nosso testemunho,
precisam saber que nós rejeitamos a Missa nova. Esta é a única maneira válida
para colaborarmos na defesa da Santa Igreja, no que Ela possui de mais
essencial, o Santo Sacrifício da Missa. Nunca, nem no presente, nem no futuro,
alguém poderá constatar que a Missa nova foi aceita pacificamente por toda a
Igreja, porque a Providência divina suscitou uma heróica resistência, desde sua
promulgação, em 1969.
Depois daqueles que nos precederam no sinal da
Fé, como Dom Antonio de Castro Mayer e Dom Marcel Lefebvre, e tantos outros
bispos, sacerdotes e fiéis, hoje é a nossa vez de dar o testemunho de defesa da
Igreja, resistindo à missa nova.
Continuemos o bom combate da Fé!
Continuemos a dizer não à Missa nova!
Nenhum comentário:
Postar um comentário