Circular sobre a Pureza e a
Integridade da Fé
Por
Dom Antonio de Castro Mayer
01/06/1981
CIRCULAR AO REVMO. CLERO E
FIÉIS
DA DIOCESE DE CAMPOS
OBSERVAÇÕES SOBRE A PUREZA E A
INTEGRIDADE DA FÉ
Caríssimos cooperadores
e amados filhos.
Quis o Papa João Paulo
II destacar, com especial solenidade, a passagem do XVI centenário do 1º
Concílio de Constantinopla e o 1550º aniversário do Concílio de Éfeso.
Não é difícil encontrar
razões que justifiquem essa solenidade especial. Os dois concílios têm, no
Cristianismo, suma importância, porque asseguram a pureza e integridade da Fé
contra as invasões heréticas que então surgiram. No primeiro Concílio de
Constantinopla, encerrado em 9 de julho de 381, a igreja reivindicou a
integridade da Fé contra os Macedonianos, assim chamados pela relação com
Macedônio, Patriarca da Cidade Imperial. Estes, seguindo as pegadas dos
Arianos, destruíam o dogma fundamental de toda a Revelação, a SS. Trindade,
pois negavam a divindade da Terceira Pessoa Divina, o Espírito Santo.
Por sua vez, o Concílio
de Éfeso, terminado em setembro de 431, defendeu essa mesma integridade da Fé,
contra outro Patriarca de Constantinopla, Nestório e seus asseclas. Estes
negavam a divindade de Jesus Cristo, e, consequentemente, a Maternidade Divina
de Maria Santíssima. Nestório distinguia no Salvador duas pessoas, a pessoa
divina, o Filho de Deus, e a pessoa humana, o homem Jesus Cristo. Apenas o
homem nos teria salvado com a morte na cruz. Infeccionava, pois, o Dogma da
Redenção que, no caso, seria obra de puro homem, perderia seu caráter de
reparação condigna e superabundante, oferecida a Deus pelos pecados dos homens.
Em decorrência desta
heresia, Maria Santíssima deixaria de ser a Mãe de Deus, pois teria concebido,
no seio puríssimo, apenas o homem Jesus. Sua intercessão passaria para a classe
comum da intercessão dos Santos.
A obra dos dois Concílios
O primeiro Concílio de
Constantinopla reafirmou solenemente a verdade revelada do Mistério da SS.
Trindade, definindo a divindade do Espírito Santo; e o Concílio de Éfeso
ensinou, de modo categórico, definitivo, que em Jesus Cristo há uma só pessoa,
a Pessoa do Filho de Deus, na qual subsistem duas naturezas, realmente
distintas, a natureza divina, pela qual Jesus Cristo é verdadeiro Deus, e a
natureza humana, que o faz igualmente verdadeiro homem. E Maria Santíssima,
declara o Concílio, como Mãe de Jesus Cristo tornou-se verdadeiramente Mãe de
Deus, pois a relação materna termina na pessoa do filho.
Mantiveram assim aqueles
dois Concílios a Fé Católica, íntegra e sem deturpações.
A importância da Fé
Ora, nas relações com
Deus, que são as relações fundamentais do homem, nada há mais importante do que
a pureza e a integridade da Fé.
Com efeito, pela Fé,
cremos, com certeza absoluta, verdades que superam nossa capacidade
intelectual, somente porque Deus as revelou. Com isso, prestamos homenagem à
transcendência inefável de Deus, e reconhecemos a vassalagem que Lhe devemos
por ser nosso Criador e Soberano Senhor. A heresia se põe à Fé, precisamente,
porque nega esse direito soberano de Deus. De fato, o herege reivindica para si
o julgamento das verdades reveladas, rejeitando as que lhe parecem
incompreensíveis, ou contrárias a conclusões científicas. Dessa maneira,
arvora-se em juiz do pensamento divino. Renova a rebelião de Lúcifer que
pretendia igualar-se a Deus, decidindo, por si, a verdade e o erro.
Daí a importância suma
de conservar a Fé, na sua pureza e integridade. Pois, como na aceitação de cada
uma das verdades reveladas, prestamos nossa homenagem à Suma Sabedoria de Deus;
assim, na rejeição de uma só delas há a recusa de nossa vassalagem a Nosso
Senhor e Soberano. O mesmo se diga de uma verdade revelada, cujo conceito
culposamente deturpamos.
A Fé comanda toda a
nossa vida religiosa. A retidão do culto, que prestamos a Deus, depende da
pureza e integridade da Fé; pois, Deus, Suma Verdade, não pode satisfazer-se
com um culto que desconhece a sua Palavra. Também da pureza e integridade da Fé
depende a retidão de nossa caridade, que jamais pode praticar-se a expensas da
Fé. S. João, o Apóstolo do amor, não teme em afirmar que àquele que não aceita
a doutrina de Jesus Cristo, nem saudá-lo devemos (2 carta, 10).
Eis que a Fé, pela qual
cremos firmemente as verdades reveladas por Deus, é o fundamento indispensável
de nossa salvação. “Sem Fé é impossível agradar a Deus (Heb. XI, 6).”
O pós-Concílio: dúvidas e
ambiguidades
Depois do Concílio
Vaticano II, irromperam na Igreja dúvidas e ambiguidades, incompatíveis com a
pureza e integridade da Fé. O testemunho é de Paulo VI. São essas dúvidas e
ambiguidades que deram origem a correntes de opinião que não se ajustam à Fé
Católica, tradicional, e põem em risco a autenticidade do culto divino e a
salvação eterna das almas.
Dois pontos, sobretudo,
tratados no II Concílio Vaticano, têm dado ensejo a posições destoantes da
verdade tradicional, revelada: a liberdade religiosa e o ecumenismo. Pontos,
aliás, que se interpenetram, e sobre os quais a Igreja tem doutrina definida.
A liberdade religiosa
Assim, sobre a liberdade
religiosa, podemos resumir em três itens o ensino oficial do Magistério
eclesiástico: a) ninguém pode ser coagido, pela força, a abraçar a Fé Católica;
b) o erro não tem direito nem à existência, nem à propaganda, nem à ação; c)
este princípio não impede que o culto público das religiões falsas possa ser
eventualmente, tolerado pelos poderes civis, em vista de um bem maior a
obter-se, ou de um mal maior a evitar-se (Cfr. AL. Pio XII, 6.XII.1953).
Com o princípio de bom
senso, que tolera a eventual existência de religiões falsas, a doutrina da
Igreja atende mesmo às condições de fato de uma sociedade, religiosamente,
pluralista. Não admite, porém, nem poderia admitir, no homem, um direito
natural de seguir a religião do seu agrado, prescindindo de seu caráter de
verdadeira ou falsa. Aceitar semelhante direito em nome, por exemplo, da
dignidade humana, envolve uma profunda inversão da ordem das coisas. Pois, a
dignidade do homem que toda ela procede de Deus, passaria a sobrepor-se à
obrigação fundamental que tem esse mesmo homem com relação a Deus: a de
cultuá-Lo na verdadeira religião.
Outra posição, lesiva
dos direitos divinos, está implícita naquele princípio: o Estado deveria ser
necessariamente neutro em matéria de religião. Deveria sempre dar plena liberdade
de profissão e propaganda a qualquer culto. Atitude esta que contradiz o ensino
católico tradicional, uma vez que, criatura de Deus, também a sociedade, como
tal, tem o dever de cultuá-Lo na Religião verdadeira, e de não permitir que
cultos falsos possam blasfemar o Santíssimo Nome do Senhor (Cfr. Leão XIII,
Enc. “Immortale Dei” e “Libertas”). Não é difícil verificar-se
que este princípio falsíssimo de liberalismo corre em meios católicos como
doutrina oficial.
O Ecumenismo
Intimamente relacionada
com a liberdade religiosa está a questão do Ecumenismo como ele é entendido e
praticado. A liberdade religiosa que acabamos de ver, dá ao homem pleno direito
de seguir sua religião, ainda que falsa, e impõe ao Estado o dever de atender
aos cidadãos no uso de semelhante direito. A liberdade religiosa, pois
favorece, quando não impõe, o pluralismo religioso.
Ora, acontece que, numa
sociedade dilacerada por esse pluralismo, a identidade de origem de todos os
homens, os mesmos problemas que resolver, as mesmas dificuldades que enfrentar,
despertam nos indivíduos o anseio de buscar uma unidade de fundo religioso,
visto que a comunhão na convicção religiosa é um meio excelente de congregar
esforços, para a conquista do bem comum e do interesse público. Daí os movimentos
visando chegar à união das várias religiões, mediante a aceitação de princípios
comuns a todas elas, sem exigir a renúncia às características específicas de
cada uma, que continuaria distinta das outras.
Semelhante ecumenismo
muitos o restringem às confissões que se dizem cristãs.
Sequelas do Ecumenismo
Assim concebido o
ecumenismo tem os seguintes corolários: 1. a verdade é colocada ao lado do
erro, em igualdade de condições; 2. aceita-se, como coisa natural e normal, que
a salvação seja possível em qualquer religião; 3. afasta-se o proselitismo, que
seria um divisor e não um catalisador; 4. chega-se, logicamente, a aconselhar,
aos não católicos, a fidelidade e o afervoramento no erro em que se encontram,
não faltando quem equipare religiões cristãs falsas à Igreja católica, ao
pensar que o Espírito Santo, como da Igreja, assim daquelas confissões também
se serve, como meio de encaminhar seus adeptos à salvação no seio de Deus.
Não obstante estas
consequências diametralmente opostas à verdade católica, um tal ecumenismo é
aceito em meios católicos. Há mesmo tentativas de promover uma formação
religiosa ecumênica, a ser ministrada, em comum, aos adeptos de várias
confissões cristãs.
Sobre o ecumenismo,
assim concebido, escreveu Pio XI a encíclica “Mortalium animos” com data de 6 de janeiro de 1928, na qual o
condena com energia.
De onde, uma renovação
na Igreja, animada pelas orientações surgidas depois do Concílio que aqui
registramos, por atraente que seja, opõe-se à Fé, é inadmissível.
Como antídoto a essa
infiltração perigosa e sutil que nos distanciaria do caminho da salvação,
reafirmamos continuamente nossa crença na única Igreja de Jesus Cristo, Santa,
Católica e Apostólica – “Credo in unam,
sanctam, Catholicam et Apostolicam Ecclesiam” – fora da qual não há
salvação: “extra quam nullus omnino
salvatur (Conc. Lat. IV).”
Com
bênção cordial
+
Antonio, Bispo de Campos
Campos,
1º de junho de 1981
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