- Sim, disse o professor, o pó chega a cobrir, na alma, o rosto de Cristo, mas só até que o furacão se desencadeie contra a humanidade. Uma guerra devastadora. um cataclismo que assola toda uma região... e então a alma, recobrando a sua personalidade, lança-se aos pés de Cristo, buscando entre soluços seu rosto meigo e divino, que o esquecimento ia velando.
Falamos no capítulo anterior destes acordes lúgubres e soluços da alma. O Papa Pio XI chamou a atenção do mundo para a pavorosa doença que tudo invade. Homens, dizia, vós correis para a morte. A imagem de Cristo está coberta de pó no fundo de vossas almas. O rosto de Cristo empalideceu e chegou quase a desaparecer na sociedade. na rua, na escola. na imprensa, em todas as manifestações da vida individual, familiar e pública.
Veio o turbilhão da guerra mundial e foi impotente para limpar o pó do rosto de Cristo.
Então o Papa institui uma nova festa, a festa de Cristo Rei para limpar com ela a sua imagem, coberta de pó em nossas almas.
No capítulo anterior vimos quão árida é a vida humana quando sacode o suave jugo de Cristo; neste capítulo examinaremos a tríplice origem de tão lastimoso estado: quero mostrar as razões por que o homem moderno não quer aceitar o reinado de Cristo.
No capítulo anterior vimos quão árida é a vida humana quando sacode o suave jugo de Cristo; neste capítulo examinaremos a tríplice origem de tão lastimoso estado: quero mostrar as razões por que o homem moderno não quer aceitar o reinado de Cristo.
Porque é que os homens modernos repelem a Cristo?
Recordemos a encantadora cena de Belém: os três reis
magos adorando a Cristo, oferecendo seus presentes...
E chegam os «três reis modernos: o estadista, o banqueiro
e o industrial. E aproximam-se do berço humilde
de Jesus.
Que cena tão poética! dizem. Não está mal este conjunto: o Menino, os pastores e as ovelhas, a estrela, a
palha, o estábulo, a noite de Natal cheia de mistério...
Que magnífico quadro se poderia pintar e adaptar ao estilo
dum salão da nossa época!
Sim, é verdade.
Mas este Menino, é o Filho de Deus vivo, o Verbo
encarnado, o senhor e soberano do gênero humano. Ah! isso é outra coisa: não só há lema para um quadro, mas
há uma augusta realidade: Cristo, Rei! É Menino, mas
também é Legislador! Ama-nos, mas é também nosso Juiz! É amável mas sabe também ser severo!Se é meu Rei. não
posso viver tão frivolamente como o fiz até aqui. Então
deve ter voz e voto nos meus pensamentos, nos meus projetos,
nos meus negócios, nos meus prazeres. Ah! isto é
já demasiado. E assim o estábulo, o presépio, a palha
encerram um mistério muito duro para nós. Isto não o
compreendemos.
Não o compreendemos, porque não o queremos compreender.
Tememos compreender a simplicidade, a pobreza,
a humildade de Cristo em Belém, porque é um protesto
contra o nosso modo de viver. Porque se Cristo tem razão,
é manifesto que nós não a temos. Não tem razão o nosso orgulho, a nossa ambição desmesurada, a nossa sede de
prazeres, a nossa idolatria da terra, o nosso culto ao bezerro
de ouro.
Chegamos ao ponto vital da questão. Porque é que o
homem moderno tem medo de reconhecer a Cristo e repele
o seu jugo? Porque é que não o queremos?
Não queremos a Cristo, porque o humilde Infante de
Belém condena com severidade o nosso orgulho.
Não queremos a Cristo porque Ele, sempre pobre,
condena a nossa sede de prazeres e gozos materiais da vida.
Não queremos a Cristo porque a sua mão levantada,
mostrando-nos o céu, é uma condenação à nossa concepção
do mundo moderno, a este desprezo insensato dos valores
espirituais da alma, ao rendermos culto idolátrico aos bens
da terra. Por outras palavras: Se Cristo é nosso Rei, então
não podem ser nossos ídolos, 1) nem a razão, 2) nem o
prazer, 3) nem o dinheiro.
1) Se Cristo é nosso Rei e nosso Deus, a razão não
pode ser o nosso Deus. Não podemos idolatrar a ciência.
Respeitemo-la, sim, mas não a elevemos à categoria de uma
divindade. A ciência só, não basta para uma vida digna
do homem. O afã exagerado de saber estonteou-nos. E é
assim só agora Ah! Não. Já derrubou o primeiro homem;
e desde então para cá a maior parte dos homens prostra-se diante das ideias e opiniões mais estranhas e incompreensíveis,
uma vez que levem o rótulo de "científicas".
Entendamo-nos. Não vão dizer que um professor de
Universidade ataca a ciência. De maneira nenhuma. Não;
não falo contra a ciência, mas contra a fé cega, contra o
culto idolátrico que se lhe presta. Digo somente, e assumo a responsabilidade do que afirmo, que para uma vida
humana bem equilibrada, a ciência só não basta.
Será necessário prová-lo?
Quando houve tantas escolas, como atualmente?
Tantas bibliotecas? Tantos instrumentos de cultura?
Nunca ; e contudo, quando houve maior decadência moral
que nos nossos dias? A ciência, o livro, a cultura não
podem suprir tudo. Não podem ocupar o primeiro lugar.
Não foi precisamente o anjo mais sábio, Lúcifer, que se
precipitou no mais profundo abismo? E não é verdade.
que entre os grandes criminosos se encontram às vezes
homens instruídos, cultos e astuciosos?
Sim ... mas. sabemos construir arranha-céus, sabemos
explorar as entranhas da terra e extrair o metal precioso ;
sabemos ser avaros, depravados, cair em todos os abismos
da imoralidade. mas ser honestos, honrados, perseverantes,
viver uma vida feliz e digna de um homem, isso não
sabemos.
Cristo é nosso Rei! Sabeis o que isto quer dizer?
Quer dizer que a alma vale mais do que o corpo, e que
a moral é mais preciosa do que a ciência.
Que a Igreja vale mais que a fábrica.
Que a Santa Missa é muito mais sublime que uma
peça teatral.
Que o homem que ora está mais alto que o que vai a festas mundanas.
Tudo isto significa a realeza de Cristo.
2) Outro motivo leva o homem moderno a rejeitar
a Cristo. Combate-o porque não quer ouvir a condenação
fulminante... contra a moda. Se Cristo é nosso Rei, a moda não pode ser o nosso ídolo. Onde reina Cristo não pode
reinar a frivolidade, onde reina Cristo não é lícito vestir-se,
dançar e divertir-se como o faz. o homem moderno superficial
e frívolo.
Que tem que ver a Igreja com a moda? murmuram
alguns. Por que razão, com que direito se imiscui nestas
questões? Que mal tem em que o cabelo das mulheres
seja curto ou comprido. que as saias tenham mais ou menos
cinco centímetros?
Não tratemos esta questão dum modo tão superficial.
O tomar a Igreja posição nestas contendas, tem uma causa
muito mais profunda.
Sabeis de que se trata?
Trata-se daquela grave doença que se chama laicismo,
daquela epidemia que desterra a Cristo, trata-se do paganismo
moderno, a que aludiu Pio
O que esta pretende às ocultas é expulsar o Cristianismo
do maior número possível de lugares, é tirar a Cristo
cada vez mais vassalos.
Não se trata pois de uma só alma, de uma só família,
mas de uma questão transcendental e decisiva, a saber:
de que em toda a vida social. Em todas as nossas manifestações
exteriores tenhamos ou não o olhar posto em
Cristo. Sim, esta é que é a grande questão.
Ciência, filosofia, política, diplomacia. maçonaria, literatura,
arte, legislação ... tudo, tudo isto intentou já combater
o Cristianismo. Mas em vão. Todos os inimigos coligados não foram capazes de desterrar a Cristo. Então,
lançou-se mão de nova arma: a vaidade da mulher. Vedes
já as profundas raízes da questão? Trata-se de desencadear
a guerra contra Cristo. Admito que a maioria das mulheres,
quando se inclinam diante da moda, não sabem que são
instrumentos de uma traidora campanha. Ignoram que o
paganismo quer instalar-se outra vez na sociedade. Paganismo
é o vestido transparente, paganismo é o baile indecoroso.
A frivolidade espantosa das praias, o veneno dos cinemas, o luxo exorbitante... tudo isto é paganismo.
Esta é a razão por que se combate a realeza de Cristo.
Não aceitamos a Cristo Rei, porque Ele é a condenação
do nosso moderno paganismo.
3) Há ainda outro motivo por que o homem moderno
repele a realeza de Cristo. É que a realeza de Cristo condena
toda a viela materialista e terrena. Se Cristo é nosso
Rei, o dinheiro não pode ser nosso ídolo.
No paganismo antigo, o ouro e o prazer recebiam honras
de divindade. Mas, ao ecoar nas campinas de Belém o
cântico do Glória, o trono destes ídolos desmoronou-se.
Mas agora, de novo, o dinheiro, o ouro recuperou o seu
antigo culto.
Estudemos a lição dos últimos anos. À medida que nos
íamos esquecendo de Cristo, esquecíamos também os valores
espirituais e culturais. Não pressentimos todos o perigo?
Não sentimos todos que aqui há alguma coisa abalada?
Ousaríamos afirmar que tudo corre perfeitamente bem?
Ao mesmo tempo que sábios exímios, artistas insignes
lutam com a fome e não têm trabalho, morre um artista
de cinema, Rodolfo Valentino, e os jornais de todo o mundo anunciam que tinha oito automóveis, doze cães, cinquenta
pares de sapatos e duas mil camisas. Isto está bem?
Donzelas honradas de uma vida irrepreensível, estudam,
trabalham e não conseguem casar-se; e uma rapariga
moderna atravessa nadando o canal da Mancha e logo
recebe setecentas propostas de casamento. Isto está bem?
É da praxe que um campeão de box receba por cada
sessão de luta a soma equivalente aos honorários de um
juiz ou de um professor durante seis meses. Está bem?
O cristianismo ensina o privilégio do espírito, a aristocracia
da inteligência e hoje esta aristocracia é substituída
pela aristocracia da musculatura.
Onde reina Cristo, a alma é superior à matéria e é por
isso que hoje se renega a realeza de Cristo, porque são
muitos os homens... que não têm alma; que não têm
tempo para a ter.